“O acolhimento tem sido nossa principal preocupação quando as atividades retornarem.” explicou Clara Grillo, Coordenadora Pedagógica do Lar das Crianças da CIP, sobre a possibilidade de retorno das escolas na cidade de São Paulo.
O Lar das Crianças da CIP é uma ONG que atua com educação não formal, acompanhando as crianças e suas famílias de forma integral, desde os 4 anos até o encaminhamento profissional. Diante da pandemia da Covid-19, desde março foram paralisadas as atividades presenciais, , o que ampliou o escopo de trabalho da organização nesses meses para apoiar as famílias atendidas, pois vivem em contexto de vulnerabilidade social.
Para entender como será retorno das atividades, entrevistamos a Clara Grillo, que detalhou todo o passo a passo do retorno, desde a pesquisa com as famílias até a nova rotina de protocolos dos educadores e das crianças.
Como está sendo planejada a volta às atividades?
Como as crianças e adolescentes que frequentam o Lar estudam em escolas públicas no contraturno, desde o início da quarentena estamos seguindo a agenda oficial da Secretaria de Educação de São Paulo. Na última coletiva de imprensa, a prefeitura anunciou o retorno das atividades extracurriculares para o dia 07 de Outubro.
Os educadores retornam para o Lar duas semanas antes para preparar as salas e os materiais de acordo com os novos protocolos de higiene e as crianças vão voltar a frequentar a instituição em número reduzido no dia 13 de Outubro.
Organizamos um formulário perguntando para as famílias sobre a intenção de volta ao Lar neste ano e de acordo com as respostas e com a capacidade física de cada sala, dividimos as crianças de cada turma em três grupos. Neste primeiro momento, cada grupo irá ao Lar apenas uma vez por semana: segunda, terça ou quarta. Não teremos oficinas nesse primeiro momento, então as crianças ficarão a maior parte do tempo junto com seu grupo e com seu educador, em sua sala de aula. Nas atividades além de trabalhar com os temas do projeto também vamos abrir espaço para o acolhimento das crianças e adolescentes e conversar sobre novas questões que podem ter surgido durante a quarentena como luto, dor, perda, ansiedade e outros medos e angústias.
Os educadores também estão elaborando fichas sobre as atividades que foram enviadas remotamente para que as crianças possam ir autonomamente se organizando para reverem o conteúdo que foi transmitido via online. Existem fichas que tratam sobre o projeto da turma e de outras áreas como: corpo e movimento; artes; matemática e leitura.
- Conseguimos redistribuir os horários de forma que cada turma terá meia hora para matar as saudades do parque sem aglomerar.
- O lanche será servido na sala e o refeitório foi ampliado para a hora do almoço, onde as crianças também ficarão junto com a sua turma e educador.
- Vamos distribuir os horários de almoço de forma que as crianças de um prédio não entrem em contato com as crianças do segundo prédio, assim criam-se duas bolhas de proteção.
- Os educadores foram orientados a priorizar atividades ao ar livre.
De um modo geral, além dos novos protocolos de higiene, o acolhimento tem sido nossa principal preocupação quando as atividades retornarem.
Foram criados grupos de trabalho com toda a equipe técnica do Lar para para pensar sobre os protocolos de retorno de modo seguro. O foco de cada grupo foi nos seguintes tópicos: distanciamento e logística, higiene pessoal, sanitização dos ambientes, comunicação e monitoramento. Dessa forma conseguimos elaborar o nosso próprio manual de retorno às atividades presenciais.
O que acontece com as crianças que pais decidirem manter os filhos em casa até o próximo ano ou quando diminuírem os impactos da pandemia?
O canal de comunicação remoto irá continuar: uma mensagem por dia no grupo de WhatsApp da turma, além dos vídeos em nosso canal de Youtube. As atividades virtuais semanais também irão continuar e as famílias poderão retirar as fichas no Lar para que as crianças possam fazer em casa. Nenhuma criança ou adolescente vai perder a vaga no Lar se não retornarem neste ano.
Como está o desenvolvimento das crianças durante a pandemia?
Desde o início da pandemia o principal objetivo foi manter o senso de pertencimento das crianças e jovens ao Lar das Crianças; a conexão, o vínculo; e a comunicação. Foi criado um grupo de WhatsApp por turma e todos os dias é enviada uma mensagem neste grupo com o propósito de atender esses objetivos. As mensagens variam, podem ser textos, áudios, vídeos do nosso canal do Youtube e até encontros virtuais. Algumas mensagens são proposições de atividades e pedimos que eles retornem tirando uma foto ou gravando um vídeo e enviando por WhatsApp mesmo. Dessa forma foi possível estabelecer contato individual com as famílias.
O ritmo do caminhar dos conteúdos do projeto é mais lento, o objetivo maior é garantir a comunicação e o vínculo afetivo. Percebemos que muitas famílias estão com dificuldade de organizar uma rotina para dar conta de tudo: trabalho; tarefas domésticas; atividades da escola; atividades do Lar; administrar o tempo livre das crianças e adolescentes. Aos poucos vamos orientando e falando da importância da construção de uma rotina que faça sentido para cada família sem deixar nenhum compromisso pendente.
Quais foram os aprendizados da equipe pedagógica desenvolveu durantes os 6 meses em casa?
Foram muitos aprendizados para a equipe pedagógica, desde aprender a ficar confortável em frente a câmera, aprender a editar de vídeos e usar outras ferramentas da internet, pensar em conteúdos para serem trabalhados a distância sem ter a garantia que todxs tenham acessado; lidar com a aflição de não deixar nenhum alunx para trás, aprender a receber os sinais de aprendizagem de outra forma, dar continuidade ao projeto da sala de forma remota, manter o vínculo com os alunos que estava começando a ser construído com poucas semanas de atividades presenciais.
Por outro lado também conseguimos aprofundar nas formações de equipe, tanto enquanto grupo, como em termos de conteúdos. Para a formação dos educadores, em um primeiro momento organizamos uma apostila com autores e textos que inspiram nosso projeto Político Pedagógico como Janusz Korczak, Célestin Freinet, textos que falam sobre a abordagem de Reggio Emília, Marshall Rosenberg (Comunicação Não Violenta), Ana Angélica Albano, Telma Weisz, André Gravatá, Renata Meirelles, autores que trabalham sobre a educação não formal, entre outros. Foi muito interessante porque alguns educadores conheciam os materiais, outros não, mas todos se identificaram muito com a prática que já realizam em sala de aula, fundamentou algo que eles já trabalhavam, trouxe nomes.
Todos liam o texto anteriormente e juntos debatíamos sobre os principais aspectos abordados. Em um segundo momento, cada educador preparou uma oficina para ser feita remotamente com a equipe de educadores. Cada um devia separar um material teórico que estivesse relacionado com a sua prática. Muitos também pensaram em atividades para propor para o grupo. Esse momento também foi muito importante para a valorização e reconhecimento de cada um dentro da equipe.
Como a equipe pedagógica está sendo preparada para lidar com as questões levantadas pela pandemia?
Agora, estamos em um terceiro momento, organizando dinâmicas com a equipe para trabalhar questões importantes sobre a quarentena como o luto, as saudades, os aprendizados e as dificuldades desse novo momento. Essas dinâmicas podem servir de ideias para os educadores trabalharem com as crianças para fazer esse acolhimento no retorno. Esse trabalho tem intensificado ainda mais a conexão da equipe.
As formações com a equipe acontecem duas vezes por semana, em encontros de duas horas.
Como foi o apoio da instituição para as crianças, adolescentes e suas famílias?
Num primeiro momento do distanciamento social nos preocupamos em apoiar a crianças e suas famílias nas mais diversas necessidades durante este período de pandemia: entrega de cestas básicas, produto de limpeza e higiene, máscaras, material escolar, aparelhos eletrônicos e jogo de gorro e cachecol. O constante monitoramento com as famílias realizado pelo serviços social e pela equipe pedagógica, inclusive com os educadores recebendo aparelhos celulares da instituição para poderem acompanhar de maneira mais próxima os seus alunos; e a orientação e encaminhamento psicológico ajudaram a manter o vínculo das famílias com a instituição. Essas ações irão apoiar no retorno das atividades presenciais.
Clara Grillo é Coordenadora Pedagógica do Lar das Crianças da CIP. Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Gestão Ambiental pelo Senac. Envolvida em projetos sociais desde os 11 anos.