Comunicação Não-Violenta na Educação: Entrevista com Edielsom Albergoni

Entrevista com o biólogo e educador Edielsom Albergoni sobre a Comunicação Não-Violenta e sua prática na educação. Ele levou essa abordagem para a organização e atualmente organiza junto a Coordenação Pedagógica as formações continuadas no tema. 

O que é Comunicação Não Violenta?
A Comunicação Não-violenta, ou CNV, é uma abordagem desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg. Ele acreditava que quando nós conseguimos nos expressar de forma clara, mostrando para as outras pessoas ou até mesmo para nós aquilo que estamos sentindo, o que nós estamos precisando, conseguimos fazer pedidos claros. A partir desse pedido é possível construir uma conexão mais profunda, chamada por ele de empatia ou compaixão. Essa conexão propicia construir um novo jeito de se relacionar, mudando assim o paradigma da relação. 

Hoje, existem muitos grupos de estudo e prática espalhados pelo mundo, justamente, entendendo e colocando em prática a abordagem da CNV, que se apoia no autoconhecimento. 

No primeiro momento quem estuda CNV se beneficia por que faz esse caminho. A pessoa consegue se conhecer e a partir daí estabelece um novo jeito de se relacionar consigo mesmo e com as pessoas a sua volta. Esta metodologia, leva em consideração 4 passos:

  • Observação: identificar o fato sem julgamento.
  • Sentimento: identificar quais sentimentos esse fato provoca em você.
  • Necessidade: identificar a necessidade que está por detrás desse sentimento. 
  • Pedido: elaborar um pedido. Ele não pode ser uma exigência, é preciso garantir que possa haver a possibilidade do sim ou não como resposta.

Como podemos utilizar a CNV na educação?
Para mim, a CNV é fundamental para a educação. Nós adultos de hoje, talvez não tenhamos tido a oportunidade de sermos introduzidos no universo das habilidades e competências socioemocionais, que se escuta muito atualmente. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) traz muito clara a importância de se desenvolver e se trabalhar essas habilidades e competências.

É justamente da educação que a CNV pega emprestado o termo letramento emocional. Eu vejo como o primeiro fator importante no ambiente educacional, termos a oportunidade de apresentar para as crianças os nomes dos sentimentos. Ensinar o que nós sentimos, que esses sentimentos nos dão informações e o quanto é importante sabermos nomear aquilo que sentimos. Quanto mais possuímos clareza do que está acontecendo internamente, melhor podemos trabalhar todas essas situações. Dessa forma, é possível chegar num ambiente mais pacífico. Então, na CNV, costumamos dizer “o que eu posso fazer para que a minha vida e a vida das outras pessoas possa ser mais maravilhosa?” Eu acredito que na educação quanto mais nós abrimos espaços para se conversar sobre sentimentos, entender o que são eles e por que eles são importantes para nós, fazer esse aprendizado emocional, no futuro poderemos perceber adultos mais consciente daquilo que são e contribuir para a construção uma sociedade que consegue conversar sobre questões difíceis.

Como a CNV pode ser útil para o educador?

A CNV é uma ferramenta para a mediação de conflitos no dia a dia de uma escola e de ambientes educacionais, lugares em que são comuns, até mesmo naturais de acontecer. A forma como mediamos os conflitos pode ser mudada, pois o ambiente que tem como princípio a não-violência, todos passam a se beneficiar de um lugar que tenha como bandeira o respeito, a empatia, a escuta e a compaixão, o lugar se torna propício para as pessoas se sentirem bem.

Quais benefícios a CNV tem para seus praticantes?
Quando você começa a estudar a CNV é importante que você tenha consciência de que a teoria precisa ser praticada. O primeiro benefício, eu acredito, seja de autoconhecimento e autoinvestigação. A partir do início dessa caminhada interior, de investigação, começamos a nos apropriar de nós mesmos. Tendo essa conexão estabelecida nós conseguimos ter empatia conosco e se cuidar.

O outro benefício que eu vejo para os praticantes de CNV é mudar o paradigma da relação, trocar o jeito automático de reagir, muitas vezes uma resposta imediata que vem carregada de julgamento, acusação, para um outro jeito de se comunicar. A CNV se apoia numa comunicação clara, honesta e sincera, ao colocar isso a favor do diálogo é possível conseguir uma conexão com outro e o seu respeito.

No entanto, a CNV não garante aquilo que eu quero. Pode ser que eu faça uma investigação do que eu estou sentindo, percebo minha necessidade, faça um pedido muito claro e, mesmo assim, eu não consigo aquilo que estou pedindo. E tudo bem! Ainda assim, ela irá me ajudar a lidar com aquilo que eu vou sentir diante desse pedido não atendido. Porque se eu utilizar a CNV para conseguir tudo aquilo que eu quero, será uma outra coisa que não é a construção de um diálogo pacífico. Pode ser tornar uma manipulação e outras situações que alienam as relações.

Qual é o maior desafio da prática no dia a dia?
Para mim o maior desafio é fazer um processo de desconstrução do jeito automático de se relacionar que está pautado no paradigma do certo e errado. Nesse tipo de relação, corremos o risco de cair no lugar de acusação e de julgamento. O resultado desse tipo de comunicação são relações alienadas, nas quais não conseguimos estabelecer uma conexão profunda e verdadeira. O grande desafio desse processo de desconstrução é aprender a se vulnerabilizar. É como se nós pegássemos as armas que temos na mão, todas as nossas as defesas e colocássemos no chão para se construir novamente nesse outro espaço da linguagem, usando a comunicação não-violenta. Para mim, o desafio é realmente fazer esse processo de desconstrução para abrir espaço para esse novo, esse lugar que ainda é desconhecido e é pouco explorado dentro de nós.

Por que é importante para o projeto pedagógico do Lar usar a CNV? 

O Lar das Crianças da CIP é uma instituição que tem 83 anos com o princípio máximo acolhimento. Uma das Bandeiras é o respeito. Para o projeto pedagógico do Lar, nós temos clareza que quanto mais as crianças tiverem a oportunidade do autoconhecimento e do autocuidado mais nós conseguiremos construir uma comunicação clara, honesta e sincera, no ambiente do Lar, entre as crianças, delas com os educadores e até mesmo nas suas famílias.

Como fizeram para introduzir a metodologia na instituição? 

Quando nós tivemos a oportunidade de trazer a abordagem da CNV para as formações da equipe pedagógica, o nosso objetivo era instrumentalizar a equipe. Oferecer para os educadores um aparato de comunicação e de abordagem do dia a dia, usar essa “ferramenta” como possibilidade para a mediação de conflitos e também a construção de um ambiente mais pacífico e humanizado. No início do processo de formação percebemos que fez muito sentido para as pessoas que puderam participar. 

Nós tivemos um curso introdutório e durante o período da pandemia continuamos esse processo de formação com o estudo e as práticas do livro do Marshall Rosenberg. Nos nossos encontros virtuais, a cada capítulo estudado nós fazíamos uma das práticas indicadas no livro. O objetivo pedagógico é oferecer às crianças e aos jovens a apropriação dos seus sentimentos, das suas necessidades, para conseguirem falar sobre sentimentos e necessidades, aprender a nomear.  Tudo isso está atrelado no nosso projeto pedagógico. Desde as crianças de 4 anos até os adolescentes, quando temos um tema a ser estudado, seja ele qual for, nós temos claro que nossas necessidades de respeito, empatia, conexão e compartilhamento sejam garantidas nessas estratégias de trabalho pedagógico. Assim conseguiremos construir um ambiente de fato humanizado. 

Edielsom Albergoni é Assistente Pedagógico no Lar das Crianças desde 2015, atua na área da educação há mais de 10 anos. É formado em Ciências Biológicas e, atualmente, estuda, pratica e dissemina os princípios da Comunicação Não-Violenta, Permacultura e tudo que pode melhorar o ambiente a sua volta.

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